MEMÓRIAS
SUGESTÃO.1.: LEIA O PRIMEIRO CONTO ANTES, OU NÃO...

Valentina. Valentina Rosa Marques. VR. Valentina Maques. VM. Valentina Rosa. São muitas de mim em uma só. Assim, saímos sozinhas, acompanhadas apenas de nós mesmas. No cinema, Valentina. No restaurante, Valentina Rosa. Assinando uma história, VR. Tentando vender uma história, Valentina Rosa Marques. Mas, também, poderia ser Valentina Rosa Rosa. Ou, apenas Rosa.

Mas não sou uma apenas para cada evento. Sou uma para cada cidade e, definitivamente, uma para cada um. No Rio, sou tímida e deslumbrada com tudo e todos a minha volta. Ganhei Gustavo. Em Curitiba, sou delicada e elegante. Ganhei Romeu. Em São Luis sou arrojada, mas um tanto inerte; contagiada pelo som que inunda a cidade, ganhei Pedro... e Caio, também.

Em Barcelona, sou independente e audaz. Ganhei Ricardo, mas tive que mostrar a ele que ele deveria era tentar ganhar Pablo. Em Paris, sofisticada, fútil e intelectual. Ganhei Maurice. E o tive por um ano inteiro sob a luz rosa dos meus dias. Em Havana, marxista e revolucionária. Ganhei Fidel –que não era o Castro... e nem casto. Em Porto Alegre, sou todas as outras: tímida e arrojada; delicada e revolucionária; fútil e marxista; elegante, intelectual e audaz; sofisticada, um tanto inerte... mas, sobretudo, independente. Ou, simplesmente, Rosa.

Da mesma forma que somos muitas, precisamos de muitos que compreendam cada uma de nós. Assim, muitos me apresentaram seus mundos. Muitos falsearam seus mundos. Em alguns mundos, apenas fui uma visitante mais ou menos discreta. Mas, de alguns mundos gostei. E fiquei. Fiquei só até que uma ânsia que não sei de onde vem, uma inquietação, um desespero, uma inadequação me atingisse e me impedisse de continuar naquele mundo que até então parecia o melhor. As outras que moram em mim começam a brigar por seu espaço aos gritos dentro da minha mente. E quando seus gritos fazem eco em meu coração, percebo que ele não passa de um órgão vazio. Sem móveis. Como que uma casa abandonada há anos. Talvez haja somente uma cadeira com um vestido hoje velho –mas que, há poucos dias, era novinho e eu não tirava do corpo por nada. Assim começa a minha procura por novos mundos. Novos mundos que, por algum tempo –ou por muito tempo–, preencham esse órgão vazio com suas histórias, seus desejos, sua cultura e suas ambições.

Da última vez que os gritos das muitas que moram em mim ecoaram em meu coração, deixei Paris. Deixei Maurice. A luz rosa, também deixei... em busca de outra Rosa. Voltei a Porto Alegre e senti que era hora de voltar a ser todas em uma só e, não mais, apenas a sombra de nós todas. E, mais uma vez, sai de cena Valentina Rosa, para dar lugar somente a Rosa.

Em Porto Alegre, retomei a faculdade de Letras tentando me formar ainda naquele semestre –consegui. Como é estranho lembrar essas coisas. Hoje não consigo me imaginar sem minha profissão, meus prazos, meus artigos, meus contos. Parece que isso é muito do que eu sou. Então o que eu era antes de ser isso? Bom... acho que isso é umas das coisas que estou tentando descobrir. Enfim... continuo, então.

Foi complicado retomar a faculdade depois de dois anos viajando por aí. Na verdade, não só a faculdade, mas a vida mesmo. Foram muitas semanas sendo Valentina Rosa Marques e tentando vender minhas histórias. Eu não queria ser VR, queria ser apenas Rosa. Afinal, eu abandonei a luz rosa por Rosa. Até que, após muita insistência, um professor gostou de uma história que escrevi e mostrou para um amigo. Aí, antes mesmo de terminar a faculdade, começaram meus prazos. Os prazos que estabelecia –e estabeleço– a mim mesma para a duração das coisas. Prazos fatais.

Um dia, cansada um pouco de tantos prazos e de tanta fatalidade, aceitei o convite de alguns colegas e fui para um bar próximo ao centro da cidade. Para mim era totalmente contramão. Na época eu morava na zona sul –não que eu gostasse, mas era mais barato. Cheguei lá e todos queriam que eu contasse sobre as viagens, os lugares e os mundos que conheci. Não podia dizer que me havia cansado de tantos mundos. Não podia dizer que era [sou] muitas em uma só. Não podia dizer que ouvia gritos constantes e cada vez mais altos em minha mente. Não podia dizer que para mim todos os prazos eram fatais... e eles eram vários. O que iriam pensar de mim? Louca, certamente.

Assim, contei sobre a música de São Luis, as artes de Paris e a moda em Barcelona. Contei da dança e dos charutos de Cuba, dos trambiques do Rio e do frio de Curitiba. Contei da vontade de ir a Rússia. Da viagem à Grécia que não saiu. Mas não contei que a viagem não saiu porque os gritos começaram a fazer eco. Acho que, na verdade, eles nunca entenderam porque eu só falei o óbvio. Mas ouviram assim mesmo. Meio desinteressados e desapontados.

Uma hora cansei. Não podia contar o que mais importava: a impressão que tive. Não podia contar como tudo pareceu, porque, aí, eles descobririam que somos muitas em uma só. Mas, em meio a todo esse discurso improvisado, percebi ele. Ele sentado sozinho. Ele parecendo cansado de tudo. Ele me olhando. Ele. Lindo, alto, segurando um cigarro que não fumava e um copo de vinho que bebia. Então parei.

Sentei em sua mesa. Tomei do seu vinho e pedi um cigarro. Me deu. Achei engraçado o jeito que ele me olhava. Meio que com respeito por todos os lugares que eu conhecia. Meio que com admiração pelo discurso sem-graça que eu fiz. Só ele mesmo para achar que meu mundo tinha alguma coisa além de uma casa vazia. Só ele mesmo para achar que meu mundo existia. Mas eu gostava do jeito que ele me olhava.

O bar fechou. Ele morava perto. Não sei bem como, mas acabei tomando mais um vinho em sua casa. Era estranho o fato dele parecer me conhecer tanto, enquanto eu nada sabia sobre ele. Queria que ele me mostrasse seu mundo. Afinal, precisava de móveis para minha casa vazia. E ela era tão grande... Mas ele não respondia. E o que dizia não fazia sentido.

- Ah... então tu faz jornalismo?
- Sim.
- Trabalha com o que?
- Correção gramatical.
- E o que jornalismo tem a ver com isso?
- Nada.

Tomei mais um vinho e, exausta de tanto tentar conhecer o mundo dele, dormi. A seu lado na cama. No dia seguinte acordei. A seu lado na cama. Aqueles olhos continuavam me olhando. Gostei. Ele realmente via um mundo em mim. Comecei a acreditar que esse mundo realmente existia. Aí... a Rosa ficou audaz, decidida. Não disse palavra, corri as mãos por seu rosto e pousei-as sobre seus olhos de um azul que eu achava que não existia. Não. Não podiam ser olhos de verdade. Não tive como não beijar aqueles olhos e depois aquela boca. Aquela mesma boca que não me dizia o que eu tanto ansiava saber. Que insistia em não me mostrar seu mundo.

Ele me dominava, talvez, sem perceber. Com seus olhos, seu sorriso, sua língua e suas mãos. E eu gostei. Por um tempo que pareceu muito tempo. Que pareceu o maior tempo. E que, pela primeira vez em tanto tempo, não era fatal. Por esse tempo ele conheceu mundo. Meu mundo de muitas em uma só. Parecia que ele também podia ouvir os gritos que eu escuto. Por esse tempo, os gritos não tiveram onde ecoar, pois a casa estava toda mobiliada. Cheia de armários, prateleiras, pufes e até tapetes –que, mesmo provocando minha alergia, estavam ali. E eu não me importei. Eu quis que ficassem. Só que não era a mobília dele. Era minha. Eu queria ele cada vez mais. Não sei se ele me queria. Mas sei que ele me entendia. Ou parecia entender. Nesse momento eu percebi que jamais lhe diria não. Mas ele nada pediu.

Eu levantei. Me vesti e saí de seu apartamento com frente para Redenção, deixando a porta entreaberta. Ele não disse palavra. Eu não disse palavra. E, assim, sem dizer palavra, eu apresentei meu mundo para ele. O mundo que eu só percebi que existia porque visto pelos olhos azuis dele. O mundo que eu só descobri quando ele me negou o dele. O mundo que era muito mais do que os gritos, muito mais que a mobília que outros levavam consigo quando partiam.

Agora, não dependia de mim. Não era mais eu quem decidia. Ele ficaria se quisesse. Mas ele não me seguiu. Não ficou. Me deu tudo sem dar nada de si. Uma sala cheia que continuou cheia mesmo sem ele. Os gritos viraram sussurros. Todas aquelas que vivem em mim andam quietas. Parece que respeitam mais Rosa do que a si mesmas. Porque Rosa tem algo que elas não têm: o mundo. Mas ele, ele continua sendo meu passado que não passa. Aquele que me deu o mundo. Aquele que me negou seu mundo. Aquele que complicou meu mundo.

Será que eu signifiquei algo no mudou dele? Será que ele se lembra do meu mundo? Não sei. E acho que nunca vou saber.

SUGESTÃO.2.: LEIA O TERCEIRO CONTO, OU NÃO...

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3 Responses
  1. Deb Says:

    Ei! Tu inspirou um post bem legal!
    E a galera curtiu e foi ler teu blog, viu????
    Tu tem sitemeter???

    Beijinho


  2. MEMÓRIAS Says:

    olha... eu nem sei o que é sitemeter... mas tenho um contador tosco de visitas...

    realmente, como eu comentei no teu post, verifiquei muuuuuitos acessos nas últimas 24h!!!!

    valeu!!!

    bjão,


  3. Denise! Says:

    Hehe!

    Como é bom ter influências e poder =P
    Beijocas gurias.... " uma colega da minha irmã" ou " a irmã de uma colega"

    Ass. Colega!


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